Bebê a bordo ll



Há alguns dias atrás tive que fazer um tour por São Paulo. Fui do Ipiranga à Avenida Paulista, da Paulista ao Anhangabaú e enfim segui no metrô da linha azul Tucuruvi – Jabaquara, rumo a minha casa. Foi quando ela entrou, com vestes simples, camiseta, bermuda e chinelos, uma bolsa a tiracolo, não tinha os dentes da frente, era forte e jovem, e em seus braços levava um bebê de uns dez meses, uma menina.
De primeiro momento tive a impressão de já tê-la visto antes, mas há muito tempo, e agora sei que devo mesmo confiar em minha intuição.
Ela começou a desenrolar sua história dizendo que morava em uma favela, e que devido um incêndio havia perdido tudo. Seu bebê estava passando necessidades a ponto de não ter leite para tomar, somente água. Disse que havia procurado emprego, mas não conseguira, e pedia ajuda para sustentar a filha.
A bolsa que carregava era de bebê e em um dos bolsos havia uma mamadeira que conforme ela andava dava para ver o líquido branco balançando, o bebê era rechonchudo, com aparência saudável, aí comecei a ficar encanada com a história dela, mesmo assim procurei umas moedinhas na carteira e a entreguei, mas aí senti muita frieza em sua reação, não olhando no rosto das pessoas que a ajudavam, e em um momento, quando o metrô parou, ela espiou para fora da estação, as portas apitando para fechar, e aquele frágil bebê em seus braços, e ela nitidamente preocupada com os guardas que poderiam aparecer para reprimi-la. Na estação seguinte, entra um rapaz, vendedor de balas, e a cumprimenta, os dois demonstram intimidade, e descem juntos.
Mal as portas se fecham, o rapaz que estava sentado ao meu lado diz: “ ela tem um carro, e não mora na favela, eu a conheço!" Aí foi que todas as certezas que eu tinha vieram à tona, segundo ele, ela mora em um prédio da CDHU que antes era uma favela, mas que os próprios moradores haviam incendiado para que a prefeitura construísse o prédio. Estava quase todos os dias andando naquelas estações, sempre com a mesma história, e expondo sua filha, e já havia sido pega pelos guardas, por isso os temia tanto. A moça que estava a minha frente e também tinha ajudado ficou boquiaberta com a história que ele contara, no decorrer da viagem eles discutiram histórias de golpes parecidos e o quanto àquela mulher havia lucrado com a bondade das pessoas. Fiquei ali participando um pouco da conversa e pensando nas minhas míseras moedinhas que tinham ido para uma pessoa que não merecia.
Quando desci do metrô, eis que ouço aquela voz de mega fone que circula pelas estações: Atenção senhores passageiros, não dêem esmolas, doe o valor a uma entidade de sua confiança...

Bebê a bordo I

Não me lembro exatamente quantas vezes eu o vi, mas certamente não foi menos que três. A primeira vez que ele entrou pela porta de traz do ônibus com aquele bebê nos braços fiquei curiosa, rapidamente se postou próximo ao cobrador, tirou a chupeta e mostrou com naturalidade o corte no lábio da criança. Seu “filho” havia nascido com lábio leporino, (http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A1bio_leporino) uma fenda entre o lábio e o nariz que deforma a feição e deixa a gengiva à mostra. Segundo o pai, já havia procurado o serviço público de saúde, mas não obtivera sucesso. O caso poderia ser resolvido com uma cirurgia, mas segundo ele, era muito cara.

Ele não deixava claro para que queria o dinheiro, se era para sustentar a criança, ou para a tal cirurgia, só sei que carregava aquele bebê como um troféu, e sempre, antes de descer do ônibus fazia diversas brincadeiras com ela, que insistia em manter a chupeta na boca.

Muitas pessoas faziam comentários indignados, alguns falavam que quando entravam com criança era apelação e não iriam ajudar. Eu ajudei a primeira vez, mas depois comecei a analisar melhor, pois o vi muitas outras vezes, sempre com a mesma história e com o bebê a tiracolo.

Um tempo depois conheci uma pessoa que me contou que tivera uma filha que nascera com esse problema, e que o SUS bancara todas as despesas para a cirurgia, inclusive o pagamento da passagem para Baurú no interior de São Paulo, em um hospital especializado no assunto, http://www.centrinho.usp.br/.

Desde então, nunca mais o vi nos ônibus, mas gostaria, pois iria abordá-lo e indicar tal hospital, confiante de que o tratamento do filho era o verdadeiro objetivo dele.

METRÔ



O vai vem dos transeuntes
Empurrões na catraca
A pressa de entrar antes que se fechem às portas
Aguardar antes da faixa amarela,
o que poucas pessoas fazem
Não se sentar nos bancos cinzas,
pois em breve terá que se levantar para ceder o lugar ao idoso.
O cuidado para não dobrar o bilhete
O barulho ensurdecedor
E mais um túnel
O vendedor ambulante
A mulher que varre os vagões
E os olhos que se vislumbram
quando pela janela é possível ver a cidade iluminada pelo sol
Ou estrelada pelos néons que inundam as fachadas
Sobe e desce das escadas rolantes
Lê-se um bom livro
Observa as plataformas
Localiza-se no mapa
Sem se perder ou se atrasar
Como todos,
existe um intuito
E um lugar a chegar

SUPERAÇÃO


Ele não entrou para pedir ou vender, mas chamou a atenção. Com uma perna amputada, usava uma cadeira de rodas adaptada, mas não era elétrica ou de última geração.

Não tinha encosto, as rodas pareciam menores que as convencionais, o que dava um ar de leveza. O ônibus, mesmo adaptado para cadeirantes não tinha rampa ou piso baixo, mas com muita agilidade, ele simplesmente levantou-se da cadeira, dobrou-a, colocou-a embaixo do braço e pulando entrou, montou sua cadeira e se acomodou. Muitos olhos espantados o observavam.
Um rapaz jovem, forte e com uma invejável disposição para vencer os desafios, pelo menos era essa a expressão que eu via em seu rosto.

Da segunda vez que o vi notei que ele também levava uma bola de basquete, aí pensei, o rapaz é um atleta, capaz de mostrar o quanto é importante encarar os obstáculos. Quando ele chega em seu destino demonstra curiosidades, aperta o botão do sinal, levanta da cadeira, a pega no braço, pula os degraus, e lá fora, as pessoas nem piscam, e ele, simplesmente senta em sua cadeira e segue o seu caminho.

"De volta para minha terra"

Em mais uma das minhas andanças pelos ônibus da grande São Paulo, ainda muito cedo, pois entro às 6h no trabalho, entra um homem pela porta da frente, e ali mesmo, sem atravessar a catraca começa a desenrolar sua história. Pediu desculpas, pois nunca havia feito aquilo antes, mas a situação era muito delicada. Chegou em São Paulo alguns dias antes para um teste em uma companhia de ônibus, mas infelizmente não passou, sem conhecer a cidade, acabou gastando todo o pouco dinheiro que havia trazido. Buscou auxílio de autoridades para conseguir voltar para casa, mas não obteve sucesso. Um fiscal, do Terminal Parque Dom Pedro II, onde pegara aquele ônibus havia lhe instruído a pedir ajuda dentro dos ônibus.

Ele, muito simples, sempre preocupado com as palavras, dizia que era do interior e não tinha muita instrução, chegou a tirar os documentos do bolso da camisa xadrez dizendo que se alguém quisesse ver, estaria disponível, se abaixou meio torto para passar por debaixo da catraca, mas o cobrador pediu para o motorista parar e o deixou entrar pela porta de trás. Muitas pessoas se comoveram e o ajudaram como podia, lembro que dei R$ 2,00, e ele desceu agradecendo.

Um mês depois, no mesmo terminal, ainda sonolenta, eis que me surpreendo com aquela mesma figurinha, antes da catraca, contando a mesma triste história. Todo o sono que estava foi embora e fiquei indignada e decepcionada. Posso estar enganada, mas acho muito difícil que em um mês ele não tenha conseguido juntar os R$ 70 da passagem para voltar para sua casa. Quando passou por mim o olhei com cara fechada e senti uma vontade enorme de dizer: “Olha, você de novo?! Nossa você ainda não conseguiu voltar para sua casa?!” É como já disse antes, ajo sempre com boa intenção, só não sei se quem recebe minha ajuda, também age assim.

À FRENTE DAS GRADES



Estava eu voltando para casa após o trabalho e resolvi entrar em um supermercado que costuma fazer liquidação de iogurtes, entrei, me esbaldei, enchi minhas sacolinhas e fui pegar o famoso ônibus. Sentei-me no fundo e algumas quadras depois eis que entra um rapaz, no qual só ouvia a voz, as pessoas me atrapalhavam de ver seu rosto, e eu, particularmente, gosto de olhar o rosto, os olhos, as vestes e as atitudes dessas pessoas. Sei que muitos ignoram quando elas começam a vender seus doces, pedir moedas ou mesmo "pregar a palavra de Deus", mas eu gosto de ouvi-las, para saber se devo ou não ajudá-las. Ajo conforme minha consciência e se a pessoa não tiver boa índole, o importante é que eu tenho.

Comecei a me contorcer no banco para poder vê-lo e enquanto isso via suas mãos balançando e ouvia sua voz embargada. Pedia desculpas por estar ali, como muitos fazem, e continuou após um forte suspiro, dizendo que não se importava se não conseguisse ajuda, pois o que queria mesmo, era que ouvíssemos sua história... Matias era o seu nome, depois de algum tempo consegui ver que estava de camisa pólo cor de rosa, sapatos sociais, um jeans e um boné preto, barbado, aparentava ter uns 35, 40 anos. Precisava desabafar, pois acabara de vir da casa de seu irmão "irmão de sangue, não é de boca não, quando éramos crianças eu o protegia das brigas com os outros meninos" - dissera ele, mas fora atendido pela janela, a casa era bonita e ali havia sobrinhos que ele nem conhecia, e ele acreditando que fosse encontrar conforto, após percorrer da Penha - Zona Leste a Interlagos - Zona Sul de São Paulo, com um endereço nas mãos. Queria poder tomar um banho, comer um prato de comida e ser aceito de novo, e suas irmãs também o tinha rejeitado.

Sabia que no passado havia cometido muitos erros e por isso sua liberdade havia sido tirada. Estivera preso, desde o ano 2000, quando tinha só 20 anos, cumpriu sua pena, que era de 11 anos e hoje com 28 saiu, não por indulto de natal, mas por boa conduta e prestação de serviço aos pobres, carpintaria, era o que ele sabia fazer. Estava perturbado, alienado como ele mesmo disse, perdido em uma cidade que não era mais a mesma de 9 anos atrás, ciente dos maus atos que havia cometido, e acreditando que seus irmãos não confiavam mais em sua recuperação e mudança, ele já não era mais o mesmo, e certamente precisará de muita ajuda para não voltar a ser o que era antes.

Muitas pessoas lhe doaram modinhas, eu abri minha bolsa e coloquei em uma sacolinha dois iogurtes, quase ele desce sem recebê-los, mas um senhor a minha frente o entregou, agradeceu a todos chorando e dizendo que não acreditava que aquilo estava acontecendo, quando pisou o pé na calçada, abriu um dos potes de iogurte e tomou de um só gole, e o senhor a minha frente me olhou e disse, "era fome, olha virou tudo de uma só vez!" E eu balbuciei, "coitado!"

Como tudo começou



Há tempos estava querendo iniciar um blog, a febre do momento, mas não queria algo convencional, como relatar o meu dia a dia. Desde menina nunca fui de diários ou agendas, mas sempre gostei de escrever. Sou formada em comunicação social e precisava iniciar algo, retomar a escrita, e passar para as pessoas fatos que realmente as fizesse, de certo modo, refletir um pouco.

E hoje, como em uns poucos mementos de inspiração, me aconteceu algo que verdadeiramente me tocou, e me trouxe memórias de fatos muito parecidos que me ocorrem diariamente, então pensei, porque não relatá-los?

O tema vocês saberão logo no primeiro post, só peço que não se espantem caso tenham à certeza de já terem visto isso antes.