À FRENTE DAS GRADES



Estava eu voltando para casa após o trabalho e resolvi entrar em um supermercado que costuma fazer liquidação de iogurtes, entrei, me esbaldei, enchi minhas sacolinhas e fui pegar o famoso ônibus. Sentei-me no fundo e algumas quadras depois eis que entra um rapaz, no qual só ouvia a voz, as pessoas me atrapalhavam de ver seu rosto, e eu, particularmente, gosto de olhar o rosto, os olhos, as vestes e as atitudes dessas pessoas. Sei que muitos ignoram quando elas começam a vender seus doces, pedir moedas ou mesmo "pregar a palavra de Deus", mas eu gosto de ouvi-las, para saber se devo ou não ajudá-las. Ajo conforme minha consciência e se a pessoa não tiver boa índole, o importante é que eu tenho.

Comecei a me contorcer no banco para poder vê-lo e enquanto isso via suas mãos balançando e ouvia sua voz embargada. Pedia desculpas por estar ali, como muitos fazem, e continuou após um forte suspiro, dizendo que não se importava se não conseguisse ajuda, pois o que queria mesmo, era que ouvíssemos sua história... Matias era o seu nome, depois de algum tempo consegui ver que estava de camisa pólo cor de rosa, sapatos sociais, um jeans e um boné preto, barbado, aparentava ter uns 35, 40 anos. Precisava desabafar, pois acabara de vir da casa de seu irmão "irmão de sangue, não é de boca não, quando éramos crianças eu o protegia das brigas com os outros meninos" - dissera ele, mas fora atendido pela janela, a casa era bonita e ali havia sobrinhos que ele nem conhecia, e ele acreditando que fosse encontrar conforto, após percorrer da Penha - Zona Leste a Interlagos - Zona Sul de São Paulo, com um endereço nas mãos. Queria poder tomar um banho, comer um prato de comida e ser aceito de novo, e suas irmãs também o tinha rejeitado.

Sabia que no passado havia cometido muitos erros e por isso sua liberdade havia sido tirada. Estivera preso, desde o ano 2000, quando tinha só 20 anos, cumpriu sua pena, que era de 11 anos e hoje com 28 saiu, não por indulto de natal, mas por boa conduta e prestação de serviço aos pobres, carpintaria, era o que ele sabia fazer. Estava perturbado, alienado como ele mesmo disse, perdido em uma cidade que não era mais a mesma de 9 anos atrás, ciente dos maus atos que havia cometido, e acreditando que seus irmãos não confiavam mais em sua recuperação e mudança, ele já não era mais o mesmo, e certamente precisará de muita ajuda para não voltar a ser o que era antes.

Muitas pessoas lhe doaram modinhas, eu abri minha bolsa e coloquei em uma sacolinha dois iogurtes, quase ele desce sem recebê-los, mas um senhor a minha frente o entregou, agradeceu a todos chorando e dizendo que não acreditava que aquilo estava acontecendo, quando pisou o pé na calçada, abriu um dos potes de iogurte e tomou de um só gole, e o senhor a minha frente me olhou e disse, "era fome, olha virou tudo de uma só vez!" E eu balbuciei, "coitado!"

2 comentários:

  Anônimo

11 de janeiro de 2009 às 02:25

Olha só quem eu achei aqui! Espero que vc não se importe de "invadir" seu novo blog, achei aqui nos endereços do computador.
Triste demais presenciar essas coisas né? Mais triste ainda saber que elas acontecem com muita frequência! Outro dia também vi um homem procurando comida no lixo e olha que ele não parecia muito "de rua", me pergunto até hoje o que a vida fez com ele...
Vou te adicionar no meu ok? Gostei de te ler.
beijos

  Anônimo

18 de janeiro de 2009 às 02:06

Caramba...

Esse seu relato me fez ficar com um nó na garganta.

Acho que somos mais parecidas do que imaginava.
Bem vinda ao meu blog e pode apostar que voltarei ao seu sempre!

Parabéns pelos textos!

Beijos

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